A Santíssima Trindade e nossa vida interior

Pe. Paulo Ricardo de Almeida Jr.

O dogma da Santíssima Trindade diz que Deus é um só, em três Pessoas realmente distintas: Pai, Filho e Espírito Santo.

Essa verdade, ainda que envolva números, não é uma “equação”, nem um “teorema” matemático; tampouco se trata de um enigma cujo significado só a alguns iniciados é dado descobrir. Deus ser uno e ao mesmo tempo trino é um mistério que Ele mesmo Se dignou revelar-nos — seja através de Seu Filho único, Jesus Cristo, seja através da descida do Espírito Santo sobre os cristãos —, a fim de que participássemos verdadeiramente de Sua vida íntima e bem-aventurada. O convite que Ele faz abrange, de fato, todas as pessoas, mas é apenas aos santos — àqueles que permanecem em Cristo e em cuja alma Ele mesmo habita (cf. Jo 15, 4) — que está reservada a coroa imperecível da glória (cf. 1 Pd 5, 4), a feliz visão (=visão beatífica) das três Pessoas divinas.

Esses santos — “gente de todas as nações, tribos, povos e línguas” (Ap 7, 9) — não têm em comum senão a graça divina, que os transforma em verdadeiros filhos de Deus, como ensina o apóstolo São João: “A quantos acolheram a luz, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1, 12); “Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos!” (1 Jo 3, 1). Essa filiação, também chamada “adotiva” (cf. Ef 1, 5), não é uma mera ficção jurídica, mas uma verdadeira configuração de semelhança:

  • São Pedro diz que, pela graça, tornamo-nos “participantes da natureza divina” (2 Pd 1, 4);
  • São João diz que os que crêem em Cristo “foram gerados não do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (Jo 1, 13); e, por fim,
  • Nosso Senhor diz a Nicodemos que é necessário nascer de novo para entrar no Reino dos céus (cf. Jo 3, 3), indicando que quem vive na graça realmente nasceu para uma nova vida, uma existência sobrenatural, que não só se distingue, como transcende todas as coisas criadas — a ponto de Santo Tomás de Aquino dizer que “a graça de um só é maior que o bem natural de todo o universo” (S. Th., I-II, q. 24, a. 3, ad 2).

O mesmo apóstolo São João diz, no entanto, que, sendo desde já filhos de Deus, “nem sequer se manifestou o que seremos” ( 1 Jo 3, 2): além de filhos de Deus pela graça, está reservada aos que O amamos a filiação definitiva pela glória, que é a plenitude e o aperfeiçoamento desta vida divina que recebemos no sacramento do Batismo (cf. S. Th., I, q. 33, a. 3).

Todo esse desenvolvimento de nosso organismo sobrenatural é uma ação conjunta da Santíssima Trindade. Para entendê-la, basta que lancemos um olhar de fé à Cruz de Nosso Senhor: o Verbo de Deus feito carne (a 2.ª Pessoa da Trindade) Se oferece ao Pai (a 1.ª Pessoa da Trindade) e o amor com que Ele se oferece, o fogo em que se consome essa entrega sacrifical, é o Espírito Santo (a 3.ª pessoa da Trindade). Aquilo que a humanidade santíssima do Redentor fez no Calvário é o que todos os cristãos individualmente somos chamados a repetir em nossas vidas, movidos, é claro, pela graça de Deus: configurados a Cristo, filhos adotivos do Pai, nós nos entregamos igualmente a Ele, e a caridade ardente que nos santifica e nos leva à perfeição é também o Espírito Santo.

Sendo bem prático, é preciso que multipliquemos os nossos atos de fé, de humildade, de adoração e de amor:

  • de fé, fazendo com bastante frequência o sinal da cruz, não como quem repete um ritual supersticioso, mas como quem invoca a graça de Deus como força para o dia a dia;
  • de humildade, como quem reconhece a própria pequenez e miséria diante da grandeza do mistério da Santíssima Trindade, que vive em nossa alma;
  • de adoração, como quem, movido de gratidão, se inclina perante Deus uno e trino, principalmente quando dá “glória ao Pai, e ao Filho, e ao Espírito Santo”;
  • de amor, por fim, como quem responde ao infinito amor de Deus por nós, seja amando a Deus, seja amando ao próximo.

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